Por
Marcos Santos
Foto: Marcos Santos |
Sarah Lewin nasceu na Polônia em 1926, mas, viveu no
país até o terceiro ano de vida. Passou a infância e adolescência na Bélgica. Aos
seis anos ela conhece uma vizinha que tinha um piano no qual a filha estudava e,
a partir daí a menina Sarah começa a se interessar pela música, porém, a família
sem condições financeiras não tinha como investir na criança. Entretanto, sua
vizinha percebendo o dom da pequena, a matriculou para ter aulas de piano juntas, ela e a filha. Sua família aceitou a ajuda daquela vizinha que pagava as
aulas para a menina. Aos onze anos, já
conhecendo bem de música entrou para o conservatório musical no qual tinha
aulas de terças e quintas com a professora Madame Du Pont. Aos domingos se
reunia com os alunos no anfiteatro da cidade de Liége para acompanhar os
concertos cujos repertórios eram escolhidos dos clássicos de Baah, Beethoven, Frédéric
Chopin entre outros. Porém, o sonho de ser concertista foi interrompido pela
guerra em meados da década de 1940. A partir daquela data a vida da adolescente
Sarah se resumiu em fugas para tentar sobreviver do terrível massacre que
chocou o mundo.
De família judia, aos 14 anos teve que imigrar forçadamente
para Marseille na França com a
família, parentes e vizinhos por causa da invasão dos soldados alemães. Apesar
de o local ter sido construído pelos franceses para abrigar os judeus
refugiados, o ambiente era hostil e, portanto, as condições de vida eram
extremamente precárias: sem saneamento básico, alimentação e infra-estrutura
totalmente inadequadas e desumanas.
Foto reprodução do Google. |
A Segunda
Guerra iniciou-se, em setembro de 1939 e foi até 1945. O país escolhido para a
invasão foi à Polônia pela Alemanha nazista comandada por Adolf Hitler e, de
acordo com registros, esse trágico e desumano acontecimento deixou mais de seis
milhões de judeus mortos, dos quais, amigos e parentes de Sarah Lewin-88 anos, levados
para os campos de concentração fazem parte dessa terrível estatística do terror.
O Holocausto, como ficou conhecido este horrendo evento, até hoje serve de
inspiração para grandes produções hollywoodianas e literatura como: A menina
que roubava livros, O pianista, O menino do pijama listrado, Hitler, Um sinal
de esperança, O grande ditador, entre outros. Dona Sarah conta nesta entrevista
realizada pelo Sindicado dos Músicos no Estado de São Paulo, como conseguiu
superar os terríveis momentos de dor ao ver suas amigas de infância desaparecerem
da noite pro dia sem nenhuma explicação. Conta também do sumiço do pai que fora
levado para campos de concentração com a promessa de que iria trabalhar na
França para o exército de Hitler, porém, após anos desaparecido, sua mãe recebe
atestado de óbito dando conta de que ele havia morrido num numa câmara de gás.
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Sindmussp- Quando e como começou a guerra para vocês?
Sarah Lewin- Eu já era
adolescente e na madrugada do dia 10 de maio de 1940 , acordei assustada e vi as
luzes da casa todas acesas
e não entendi nada. Porém, pensei
que já estava na hora de levantar para ir à escola. Minha mãe foi até o meu quarto, desesperada e disse: levanta rápido! Nós vamos sair de casa porque o exército de
Hitler está vindo invadir a Bélgica.
Já arrumei as malas. Não
imaginávamos que a guerra pudesse chegar naquela cidade. Ouvimos rumores da
guerra, porém estávamos despreocupados achando que não ia chegar até a cidade
onde estávamos.
Sindmussp- Como foi que vocês conseguiram
fugir dos soldados?
Sarah Lewin – Cada um pegou uma
mala, fechamos a casa. Eu, minha mãe e meu
pai fugimos pelo mato até chegar à estação do trem. A estação já estava lotada de judeus e não
judeus e, no meio do tumulto conseguimos embarcar num vagão de cargas. Fomos
levados para um campo de refugiados em Marseille na França já na fronteira com
a Espanha. Lá ficamos nove meses em
campos de refugiados vivendo da pior maneira possível. Fiquei muito doente e pra não
morrer, meu pai ficou sabendo que a vida voltara ao normal na Bélgica e então, resolveu
voltar.
Sindmussp: Com
as fronteiras totalmente cercadas pelo exército de Hitler, como vocês conseguiram voltar?
Sarah Lewin: Meu pai pagou uma
pessoa para nos atravessar escondidos pelo mato, porque os soldados cercaram
todas as fronteiras, porém, os alemães já sabiam desse atalho e nos pegaram. Passamos
a noite presos no quartel e pela manhã, fomos obrigados a voltar para o campo
de refugiados em Marseille, entretanto, nos deixaram na fronteira próximos do
campo. Meu pai ainda tinha algum dinheiro e novamente, pagou outra pessoa para
nos atravessar. Finalmente, conseguimos fugir e chegamos em casa as 23h.
Sindmussp: A casa estava revirada ou
destruída quando chegaram?
Sarah Lewin: Estava tudo do mesmo
jeito que havíamos deixado. Os vizinhos cuidaram das nossas coisas. Então a
nossa vida parecia ter voltado ao normal, meu pai voltou a trabalhar na mesma
metalúrgica de antes. Tudo parecia estar
tranqüilo, porém, um belo dia, os alemães foram na minha casa e entregaram uma
carta ao meu pai dizendo que todo chefe de família judeu que aceitasse trabalhar
na França para os alemães por três meses, além de receber salário, eles
deixariam as famílias em paz. Meu pai acreditou
e aceitou a proposta. Mas, três meses se
passaram e nunca mais tivemos notícia dele. Depois de algum tempo descobrimos que fomos
enganados. Meu pai foi levado para a Alemanha e morto em um campo de concentração.
Sindmussp: Como ficou a vida de vocês depois
desse triste acontecimento?
Sarah Lewin: Nossa vida ficou
muito difícil e complicada. Nós éramos obrigadas como todo judeu, a usar um broche em
formato de estrela de Davi como identificação.
Quem não usava era morto pelos soldados. Minha professora de piano com medo de
acontecer alguma coisa comigo, achou melhor eu não ir mais à casa dela porque
os soldados poderiam me prender a qualquer momento. Ela sabia do perigo que eu estava correndo, até porque, tinha dois filhos que foram alistados no exército alemão e voltaram da guerra muito feridos. Algum tempo depois enquanto estávamos
dormindo, os soldados alemães chegaram á minha casa fortemente armados com metralhadoras e
bateram na porta violentamente. Assustadas, nos arrumamos rápido e minha mãe abriu a porta e, já sabia
que seríamos levadas. As malas já ficavam prontas. Eles queriam
levar também a filha da vizinha que sempre dormia em casa, porém, ela era
italiana e então os soldados a deixaram ir.
Sindmussp: Para onde vocês foram levadas?
Sarah Lewin: Fomos levadas para um
quartel próximo ao bairro onde morávamos. Passamos a noite em pé juntas com outras a famílias de judeus que já estavam lá com suas malinhas aguardando o seu destino
cruel. Nós, e várias pessoas recebemos uma carta que, supostamente dava direito
a trabalhar nas fábricas de munição. No outro dia foi feita a seleção dos que
tinham a carta e dos que não tinham. As pessoas
que tinham a carta puderam voltar às suas casas, mas, quem não tinha foi levado
direto para a câmara de gás. Aquela
carta na verdade não era um encaminhamento para trabalhar e sim uma farsa para para não chamar a atenção dos que seriam mortos. Depois daquele triste dia, nunca
mais vi minhas amigas e seus familiares. Passadas duas semanas, eles voltaram
para nos prender, mas conseguimos fugir antes. Ficamos perambulando pela cidade e, um militante da resistência belga
contra os alemães se aproximou enquanto lanchávamos em um bar. Pensamos ser um soldado alemão, porém, ele se identificou e nos abrigou em sua casa. Ali passamos a noite. No dia seguinte ele nos levou à um
esconderijo perto de onde morávamos nos fundos da casa de um casal de idosos. Minha
mãe aproveitou e foi até a minha residência pegar alguma coisa, mas chegando lá a
casa estava toda revirada e vazia. Até o meu piano que meu pai havia comprado com todo sacrifício,
eles retiraram pela janela. Levaram tudo. Na edícula onde ficamos, além de nós,
esse casal de idosos abrigou outros judeus. Lá, estávamos seguros e os soldados jamais desconfiariam que tivesse povo judeu ali.
Sindmussp: Por quanto tempo a
senhora ficou escondida naquela edícula?
Sarah Lewin – Ficamos na casinha dos idosos até terminar a guerra, aproximadamente dois anos. Passamos por
muitas necessidades e revoltada com aquela situação resolvi ser uma militante belga e me juntei a eles. Depois, eu e minha mãe tivemos de
enfrentar outra guerra: os traumas e fantasmas da guerra me deixaram com sérios problemas
emocionais e psicológicos. Eu não conseguia dormir sossegada porque pensava nas minhas amigas, meu pai, e acordava no meio da noite gritando e muito assustada. Minha mãe mandava eu parar de gritar senão ia incomodar os vizinhos.
Sindmussp: Quando finalmente a jovem Sarah pôde sentir que a guerra havia acabado definitivamente, fora e dentro dela?
Sarah Lewin: Muito difícil achar uma resposta, mas, possivelmente foi quando eu casei. Meu marido resolveu vir para o Brasil com medo de estourar outra guerra. Eu não quis sair da Bélgica porque não conhecia nada do Brasil. Só ouvia falar do Rio de Janeiro por causa da Carmem Miranda (risadas). Para mim só existia essa cidade. Não sabia que existia São Paulo, mas mesmo sem concordar muito, partimos. Eu já tinha meus dois filhos ainda pequenos e partimos para cá.
Sindmussp: Quando finalmente a jovem Sarah pôde sentir que a guerra havia acabado definitivamente, fora e dentro dela?
Sarah Lewin: Muito difícil achar uma resposta, mas, possivelmente foi quando eu casei. Meu marido resolveu vir para o Brasil com medo de estourar outra guerra. Eu não quis sair da Bélgica porque não conhecia nada do Brasil. Só ouvia falar do Rio de Janeiro por causa da Carmem Miranda (risadas). Para mim só existia essa cidade. Não sabia que existia São Paulo, mas mesmo sem concordar muito, partimos. Eu já tinha meus dois filhos ainda pequenos e partimos para cá.
Sindmussp: Qual foi a reação da senhora quando chegou ao Brasil?
Sarah Lewin: Foi muito estranho, não sabíamos nada do idioma e muito menos aonde íamos morar. Chegamos ao Brasil em dezembro de 1956. Eu, meu marido e meus dois filhos: Daniel (4) e Gabriel de um ano e seis meses. Minha mãe só veio um ano depois. Viemos de navio até o porto de Santos e depois trazidos de trem até o bairro do Bom Retiro no centro de São Paulo porque sabíamos que lá havia muitos judeus. Passamos a noite em uma pensão cheia de pulgas. Daniel ficou doente e com o corpo todo ferido das mordidas das pulgas e gastamos o pouco do dinheiro que havíamos trazido, com o tratamento que durou seis meses. Passamos por muitas dificuldades, doenças e até fome. Pra ajudar o meu marido, eu comecei vender roupas para um judeu de porta em porta, mesmo sem saber falar português, infelizmente, levei muito calote. Meu marido conseguiu emprego de vendedor de livros na Livraria Britânica e as coisas começaram há melhorar um pouco e até conseguimos alugar uma casa.
Sindmussp: Quando foi que o piano voltou a
fazer parte da sua vida?
Sarah Lewin: Quando minha mãe
veio morar conosco. Ela nos ajudou a comprar uma casa com o dinheiro que
recebeu do governo da Bélgica pela morte do meu pai. Daí, parei de vender roupas e coloquei um anuncio no
jornal para dar aulas de piano e ajudar o meu marido pagar a casa porque o
dinheiro que minha mãe trouxe só deu para dar a entrada. Minha primeira aluna era francesa e me ensinou falar português em troca das aulas de piano. O piano era alugado e logo os alunos foram chegando. Porém, um belo dia enquanto eu dava aula, recebi
a visita de um fiscal da Ordem dos Músicos do Brasil. Minha vizinha havia me
denunciado e tive de pagar multa por não ter a carteirinha.Eu nem sabia disso, mas regularizei a minha situação e me filiei à OMB
e ao sindicato em 1966. E continuei dando aula. Consegui comprar esse piano o qual já estou com ele há quase 50 anos. As aulas começavam as 08h e iam até as 18h. Às vezes
eu não parava nem para almoçar. Quando
tudo parecia estar indo tudo bem, meu marido ficou muito doente e teve de
ser operado às pressas de uma grave infecção na bexiga. Devido a doença, ele começou a faltar muito
ao trabalho e foi mandado embora da
livraria Britânica. Daí, a nossa vida e a situação financeira piorou e tivemos que vender a casa. Com o seu estado emocional
super abalado e as dificuldades financeiras, a doença do meu marido voltou e não teve mais jeito.
Morreu.
Sindmussp: Sem o seu marido e
endividada, como a senhora conseguiu sair dessa?
Sarah Lewin: Nessa época o Daniel já era casado e o
Gabriel não, mas trabalhava e me ajudou muito, além da minha mãe também, que recebia uma
aposentadoria da Bélgica todo mês e me dava o dinheiro para pagar as contas. Após seis anos da morte do meu marido recebi
outro golpe do destino: minha mãe nos deixou vítima de uma anemia crônica que evolui, provocando uma severa pneumonia e ela não resistiu, já que naquela época a medicina não era tão avançada. Foi o momento mais difícil da minha vida porque eu e minha
mãe éramos muito apegadas. Era ela que
me dava forças. Ela me ajudou a superar muitas dificuldades. Ela era tudo pra
mim. Eu fiquei sem chão e foi muito difícil superar a perda e, até hoje eu
sinto muita falta dela. Já se passaram
trinta anos e confesso que, se não fosse o meu piano, talvez eu não estaria
mais aqui. A música se tornou a minha
razão de viver.
Foto: Marcos Santos Sarah Lewin posando para foto com o maestro e professor Aluízio Pontes. |
Foto: Marcos Santos Apaixonada por literatura francesa, Sarah Lewin exibe livro de autor preferido. |
Foto: Marcos Santos Dona Sarah posa para foto ao lado do diretor Ronald Fonseca acompanhada de colaboradores e diretores do sindicato. |
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