sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A música e seus contornos emocionais desenvolvidos no cérebro humano.

3 PERCEPÇÃO MUSICAL E EMOÇÃO HUMANA: PONTOS DE ENCONTRO
Foto: Marcos Santos

   O processo de percepção da música pelo ouvido humano é um campo vasto de estudos, mobilizando cientistas desde o séc. XIX a levarem música para seus laboratórios em criteriosas pesquisas dos sons, suas leis regentes, sua matéria física etc.
A área que estuda os fenômenos sonoros em si é entendida como acústica – que vem do grego akoustikós: que diz respeito ao ouvido[1]. Logo depois da acústica, nasce a psicoacústica, que é a ciência que estuda os modos que a mente humana percebe os sons. Avançando em ainda mais um passo, desenvolve-se a psicoacústica musical, que tenta esquadrinhar todo tramite relacional possível da percepção e do fazer musical (BERTINATO, 2006).

Por meio desta ciência, foi diagnosticado que nenhuma outra atividade exige tanto do cérebro quanto o fazer musical, pois este envolve uma atividade intensa de centenas de músculos, dos olhos e dos ouvidos, a fim de decodificar e interpretar símbolos. Além disso, são requisitadas a memória e as emoções; tudo isso em intercâmbio, para que nenhuma das várias atividades entre em choque.[2]

A música relaciona-se intensamente com diversas áreas do cérebro, exigindo deste, uma constante de funcionamento para realização de suas atividades. Seja em atividades musicais qualquer, o cérebro é sempre motivado a uma atuação vívida e processualmente multifacetada, requerendo respostas de sempre mais de uma área, encampando neste desenrolar, o nosso sistema límbico, que trará a tona conteúdos e contornos emocionais.




[1] Cf. LEVI-STRAUSS, 1978/1985.
[1] De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
[1] Ibid., p. 2-3.

Atualmente, a neurociência tem estudado música e cérebro de forma mais incisiva, e a partir de tais estudos, afirma que:

Por não precisar de codificações lingüísticas e por armazenar um conglomerado de signos estruturados, além de acessar diretamente a afetividade e os campos límbicos, a música estimula nossa memória não-verbal (áreas cerebrais associativas secundárias).[1]

            Neste processo, a música unifica várias sensações incluindo:

[...] a gustatória, a olfatória, a visual e a proprioceptiva em um conjunto de percepções que permitem integrar as várias impressões sensoriais em um mesmo instante, como a lembrança de um cheiro ou de imagens após ouvir determinado som ou determinada música. Também ativa as áreas cerebrais terciárias, localizadas nas regiões frontais, responsáveis pelas funções práxicas de seqüenciação, de melodia cinética da própria linguagem, e pela mímica que acompanha nossas reações corporais ao som (CAMPOS et al., 2000, p. 72. Apud PAIVA, 2010, p. 10).

Pensando em mudanças metabólicas cerebrais pelo estímulo de um som ou música, é compreensível o contexto de respostas emocionais trazidas por esta dinâmica de música e cérebro, pois os sentimentos também podem ser entendidos como resultantes de reações bioquímicas em nossa estrutura neurofisiológica. Como afirma Maria de Oliveira (1999), quando explica que as emoções (e a partir da qual é gerado um comportamento e uma conduta) não são uma sensação etérea e insubstancial, mas o produto da química e da fisiologia do cérebro, existindo então, um substrato neurônico para as mesmas.
            Ainda que se afirme uma situação emocional sugerida pelos sons e música, a explicação do ponto de vista neurofisiológico e apenas (para um fenômeno de funcionalidade explicativa), não é o bastante, pois, na existência de um sentimento desencadeado pelo som, é relevante indagar-se qual sentimento este ou aquele som disseminou. Ou seja, não basta saber que a música sugere sentimentos e sensações, é preciso também sobressaltar que tipo de sentimento foi suscitado, e, por qual estímulo sonoro-musical este fato sucedeu.

3.1 MÚSICA E LINGUAGEM

Se aproximarmos música da linguagem, e sabendo que é na linguagem que se encontra signos para tentativa de tradução dos subjetivo e abstrato dos sentimentos, podemos ter um ponto de encontro desta relação, pois de alguma forma a música “corporifica a emoção. [...]



[1] PAIVA, 2010, p. 10.

nos dá meios para exercitar nossas emoções e desta forma estabelecer relação com outros seres humanos” (BERTINATO, 2006, p. 10).
Neste contexto, a música pode ser pensada como linguagem, pois se ela corporifica as emoções, logo, esse corpo sonoro carrega em sua estrutura a própria emoção, sendo uma forma de expressá-la – sem o verbo – por uma comunicação sonora.
Mas, para melhor assimilação, é importante que se pontue os estreitamentos reais da estrutura lingüística, da estrutura musical, sugerindo proximidades e distanciamentos, que fazem destas duas, potencialidades de comunicação.
Quando falamos em “linguagem”, nos referimos a um processo sistemático de signos instituídos naturalmente ou convencionados, na finalidade de transmitir informações e mensagens de um sistema (orgânico, social etc.) a outro. Para este processo emergir, muitos intercâmbios são sugeridos, da motricidade até representações sócio-culturais das decodificações dos signos. Assertivamente, a música pode ser lida desta forma, assemelhando a tal sistema, porque ambos:

[...] dependem, do ponto de vista neurofuncional, das estruturas sensoriais responsáveis pela recepção e pelo processamento auditivo (fonemas, sons), visual (grafemas da leitura verbal e musical), da integridade funcional das regiões envolvidas com atenção e memória e das estruturas eferentes motoras responsáveis pelo encadeamento e pela organização temporal e motora necessárias para a fala e para a execução musical (CAMPOS; CORREIA; MASZKUT, 2000, p. 73).

            A diferença relevante entre a música e a linguagem verbal, é que nesta ultima acontece uma separação entre significante e significado, uma vez que ela está submetida a processos semântico-lingüísticos, diferente da música, que a própria mensagem musical é uma estrutura significativa para traduzir as idéias e comunicá-las, ou seja, a música em si é o significado enquanto conteúdo significante.
            Levi-Strauss (1978/1985), em um ensaio sobre mito e música, tenta aproximar os aspectos musicais as estruturas de um mito, sugerindo dessas estruturas, uma proximidade entre música, mito e linguagem, atribuindo a todas estas, a valoração de fontes de representações e significações. Lá pelas tantas, afirma:

A comparação entre a música e a linguagem é um problema extremamente espinhoso, porque, em certa medida, a comparação faz-se com materiais muitos parecidos e, ao mesmo tempo, tremendamente diferentes. Por exemplo, os lingüistas contemporâneos disseram-nos que os elementos básicos da linguagem são os fonemas – ou seja, aqueles sons que nós incorretamente representamos por letras –, que em si mesmos não tem qualquer significado, mas são combinados para diferenciar os significados. Pode-se dizer praticamente o mesmo das notas musicais. Uma nota – A, B, C, D e assim por diante – não tem significado em si mesma; é apenas uma nota. É só pela combinação das notas que se pode criar música. Poder-se-ia dizer perfeitamente que, enquanto na linguagem se tem os fonemas como material elementar, na música temos algo que eu poderia chamar <<sonemas>> – em inglês, talvez que a palavra mais adequada fosse <<tonemas>>. Isto é uma similaridade[1].

            Porém, cabe ainda salientar que no campo lingüístico verbal, os fonemas se combinam a formar palavras, que se combinam a formar frases. Em música as palavras não existem, as notas (como formas mais elementares) se combinam e formam diretamente uma frase, que é a frase melódica. Assim, se na linguagem existem três níveis definidos – fonemas, que se combinam em palavras, que se combinam em frases –, na música as notas se assemelham aos fonemas, porém não há palavras, na combinação de notas, passa-se diretamente ao domínio das frases.[2]
            Se a música no domínio das frases, que é sua frase melódica, compreende os processos de comunicação, até pela facilidade de corporificação das emoções de forma direta e límpida, todas as emoções podem ser articuladas e comunicadas pela música, pois como já apontado, ela dá forma ao sentimento, provocando comunicação inteligível da mensagem, e propondo entre os seres, possíveis relações.
            Usando Taylor e Paperte (1958) teremos a seguinte afirmação:

Quando a dinâmica estrutural da música é semelhante à dinâmica estrutural das emoções, resulta uma união solidária das duas e, quaisquer mudanças que ocorram na primeira, produzirão mudanças correspondentes na segunda.[3]

            Destas perspectivas é fácil amarrarmos música à emoção, pois um conteúdo musical pode ser a própria emoção, no sentido de que ela dá forma ao sentimento, e por isso é um canal para expressá-lo.
            Mesmo assim, este ponto de encontro entre o campo musical e as emoções humanas, não explica a significação nem a representação destes. Em outras palavras, é sabido o estreitamento de um conteúdo a outro, mas não é explicada a ligação de um som àquela ou à outra sensação, ou sentimento, ou emoção; ou seja, qual som determina a suscitação da alegria, por exemplo? Que exata música traz tristeza, ou prazer?
            Ainda é preciso antes saber se tais perguntas são cabíveis, e se elas não fazem parte de um mundo leigo ao tratamento dessas relações.



[1] Ibid., p. 74.
[2] Cf. LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Cap. V – Mito e Música, op.cit.
[3] Ibid., p. 252. Apud RUUD 1990, p. 42.
Para breve discussão e apontamentos, buscaremos informações visando possíveis explicações para estes questionamentos, e para isso, vamos falar de cultura.

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