A área que estuda os fenômenos sonoros em si é entendida como acústica – que vem do grego akoustikós: que diz respeito ao ouvido[1]. Logo
depois da acústica, nasce a psicoacústica, que é a ciência que estuda os modos
que a mente humana percebe os sons. Avançando em ainda mais um passo,
desenvolve-se a psicoacústica musical, que tenta esquadrinhar todo tramite
relacional possível da percepção e do fazer musical (BERTINATO, 2006).
Por meio desta ciência, foi diagnosticado
que nenhuma outra atividade exige tanto do cérebro quanto o fazer musical, pois
este envolve uma atividade intensa de centenas de músculos, dos olhos e dos
ouvidos, a fim de decodificar e interpretar símbolos. Além disso, são
requisitadas a memória e as emoções; tudo isso em intercâmbio, para que nenhuma
das várias atividades entre em choque.[2]
A música relaciona-se intensamente com diversas
áreas do cérebro, exigindo deste, uma constante de funcionamento para
realização de suas atividades. Seja em atividades musicais qualquer, o cérebro
é sempre motivado a uma atuação vívida e processualmente multifacetada, requerendo
respostas de sempre mais de uma área, encampando neste desenrolar, o nosso
sistema límbico, que trará a tona conteúdos e contornos emocionais.
[1] Cf. LEVI-STRAUSS, 1978/1985.
[1] De
acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
[1] Ibid., p. 2-3.
Atualmente, a neurociência tem estudado música
e cérebro de forma mais incisiva, e a partir de tais estudos, afirma que:
Por não precisar de codificações lingüísticas e por
armazenar um conglomerado de signos estruturados, além de acessar diretamente a
afetividade e os campos límbicos, a música estimula nossa memória não-verbal
(áreas cerebrais associativas secundárias).[1]
Neste processo, a música unifica
várias sensações incluindo:
[...] a gustatória, a olfatória, a visual e a
proprioceptiva em um conjunto de percepções que permitem integrar as várias
impressões sensoriais em um mesmo instante, como a lembrança de um cheiro ou de
imagens após ouvir determinado som ou determinada música. Também ativa as áreas
cerebrais terciárias, localizadas nas regiões frontais, responsáveis pelas
funções práxicas de seqüenciação, de melodia cinética da própria linguagem, e
pela mímica que acompanha nossas reações corporais ao som (CAMPOS et al., 2000, p. 72. Apud PAIVA, 2010, p. 10).
Pensando em mudanças metabólicas cerebrais pelo estímulo de um som ou
música, é compreensível o contexto de respostas emocionais trazidas por esta
dinâmica de música e cérebro, pois os sentimentos também podem ser entendidos como
resultantes de reações bioquímicas em nossa estrutura neurofisiológica. Como
afirma Maria de Oliveira (1999), quando explica que as emoções (e a partir da
qual é gerado um comportamento e uma conduta) não são uma sensação etérea e
insubstancial, mas o produto da química e da fisiologia do cérebro, existindo
então, um substrato neurônico para as mesmas.
Ainda que se afirme uma situação
emocional sugerida pelos sons e música, a explicação do ponto de vista
neurofisiológico e apenas (para um fenômeno de funcionalidade explicativa), não
é o bastante, pois, na existência de um sentimento desencadeado pelo som, é
relevante indagar-se qual sentimento
este ou aquele som disseminou. Ou seja, não basta saber que a música sugere
sentimentos e sensações, é preciso também sobressaltar que tipo de sentimento
foi suscitado, e, por qual estímulo sonoro-musical este fato sucedeu.
3.1 MÚSICA E
LINGUAGEM
Se aproximarmos música da linguagem, e sabendo que é
na linguagem que se encontra signos para tentativa de tradução dos subjetivo e
abstrato dos sentimentos, podemos ter um ponto de encontro desta relação, pois
de alguma forma a música “corporifica a emoção. [...]
[1] PAIVA, 2010, p. 10.
nos dá meios para exercitar nossas emoções e desta forma estabelecer
relação com outros seres humanos” (BERTINATO, 2006, p. 10).
Neste contexto, a música pode ser pensada como linguagem, pois se ela
corporifica as emoções, logo, esse corpo sonoro carrega em sua estrutura a
própria emoção, sendo uma forma de expressá-la – sem o verbo – por uma comunicação
sonora.
Mas, para melhor assimilação, é importante que se pontue os
estreitamentos reais da estrutura lingüística, da estrutura musical, sugerindo
proximidades e distanciamentos, que fazem destas duas, potencialidades de
comunicação.
Quando falamos em “linguagem”, nos referimos a um processo sistemático de
signos instituídos naturalmente ou convencionados, na finalidade de transmitir
informações e mensagens de um sistema (orgânico, social etc.) a outro. Para
este processo emergir, muitos intercâmbios são sugeridos, da motricidade até
representações sócio-culturais das decodificações dos signos. Assertivamente, a
música pode ser lida desta forma, assemelhando a tal sistema, porque ambos:
[...] dependem, do ponto de vista neurofuncional, das
estruturas sensoriais responsáveis pela recepção e pelo processamento auditivo
(fonemas, sons), visual (grafemas da leitura verbal e musical), da integridade
funcional das regiões envolvidas com atenção e memória e das estruturas
eferentes motoras responsáveis pelo encadeamento e pela organização temporal e
motora necessárias para a fala e para a execução musical (CAMPOS; CORREIA;
MASZKUT, 2000, p. 73).
A diferença relevante entre a música
e a linguagem verbal, é que nesta ultima acontece uma separação entre
significante e significado, uma vez que ela está submetida a processos
semântico-lingüísticos, diferente da música, que a própria mensagem musical é
uma estrutura significativa para traduzir as idéias e comunicá-las, ou seja, a
música em si é o significado enquanto conteúdo significante.
Levi-Strauss (1978/1985), em um
ensaio sobre mito e música, tenta aproximar os aspectos musicais as estruturas
de um mito, sugerindo dessas estruturas, uma proximidade entre música, mito e
linguagem, atribuindo a todas estas, a valoração de fontes de representações e
significações. Lá pelas tantas, afirma:
A comparação entre a música e a linguagem é um
problema extremamente espinhoso, porque, em certa medida, a comparação faz-se
com materiais muitos parecidos e, ao mesmo tempo, tremendamente diferentes. Por
exemplo, os lingüistas contemporâneos disseram-nos que os elementos básicos da
linguagem são os fonemas – ou seja, aqueles sons que nós incorretamente
representamos por letras –, que em si mesmos não tem qualquer significado, mas
são combinados para diferenciar os significados. Pode-se dizer praticamente o
mesmo das notas musicais. Uma nota – A, B, C, D e assim por diante – não tem
significado em si mesma; é apenas uma nota. É só pela combinação das notas que
se pode criar música. Poder-se-ia dizer perfeitamente que, enquanto na
linguagem se tem os fonemas como material elementar, na música temos algo que
eu poderia chamar <<sonemas>> – em inglês, talvez que a palavra
mais adequada fosse <<tonemas>>. Isto é uma similaridade[1].
Porém, cabe ainda salientar que no
campo lingüístico verbal, os fonemas se combinam a formar palavras, que se
combinam a formar frases. Em música as palavras não existem, as notas (como
formas mais elementares) se combinam e formam diretamente uma frase, que é a
frase melódica. Assim, se na linguagem existem três níveis definidos – fonemas, que se combinam em palavras, que se combinam em frases –, na música as notas se
assemelham aos fonemas, porém não há palavras, na combinação de notas, passa-se
diretamente ao domínio das frases.[2]
Se a música no domínio das frases,
que é sua frase melódica, compreende os processos de comunicação, até pela
facilidade de corporificação das emoções de forma direta e límpida, todas as
emoções podem ser articuladas e comunicadas pela música, pois como já apontado,
ela dá forma ao sentimento, provocando comunicação inteligível da mensagem, e propondo
entre os seres, possíveis relações.
Usando Taylor e Paperte (1958)
teremos a seguinte afirmação:
Quando a dinâmica estrutural da música é semelhante à
dinâmica estrutural das emoções, resulta uma união solidária das duas e,
quaisquer mudanças que ocorram na primeira, produzirão mudanças correspondentes
na segunda.[3]
Destas perspectivas é fácil
amarrarmos música à emoção, pois um conteúdo musical pode ser a própria emoção,
no sentido de que ela dá forma ao sentimento, e por isso é um canal para
expressá-lo.
Mesmo assim, este ponto de encontro
entre o campo musical e as emoções humanas, não explica a significação nem a
representação destes. Em outras palavras, é sabido o estreitamento de um
conteúdo a outro, mas não é explicada a ligação de um som àquela ou à outra
sensação, ou sentimento, ou emoção; ou seja, qual som determina a suscitação da
alegria, por exemplo? Que exata música traz tristeza, ou prazer?
Ainda é preciso antes saber se tais
perguntas são cabíveis, e se elas não fazem parte de um mundo leigo ao
tratamento dessas relações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário