4 MÚSICA, EMOÇÕES E CULTURA
William Paiva
É possível definir cultura como a
identidade própria de um grupo humano em um território, num determinado período
e espaço. O termo cultura refere-se a crenças, comportamentos, valores,
instituições, regras morais, que permeiam e identificam uma sociedade,
explicando e dando sentido ao que podemos chamar de cosmologia social.[1]
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Dentro desta definição, podemos entender
que os próprios conceitos de sentimentos e sensações enquanto representam e
significam, traduzem o simbolismo cultural, quando este pré-existe as próprias
emoções.
Sendo assim, um comportamento social, motivado por um processo emocional,
só será compreendido em totalidade se concernente ao ambiente inserido, como o
prantear ocidental diferenciado da conotação festiva oriental ao mesmo quadro de um velar fúnebre de um ente
querido, entre outros exemplos.
Ora, a música também é um processo que concebe uma cultura, estruturas
que pré-existem, re-programação de sons combinados, ou mesmo, uma simples
sensação de familiaridade com determinadas estruturas musicais.
Grosso modo, a música constrói-se em um contexto cultural particular,
modificado e estruturado concernentemente ao ambiente inserido. As modificações
e especificidades dos instrumentos e estrutura musicais estão diretamente
ligadas à geografia e clima e costumes do território em que a música nasce
(BERTINATO, 2006).
Nesta perspectiva, e embutindo tanto as emoções quanto a música em um
ambiente cultural, pode-se pensar que o suscitar de uma emoção a partir dos
sons, podem ser tanto positivas
quanto negativas, e estes valores não
estão na música em si, mas nas experiências sócio-culturais anteriores do
indivíduo.
Triunfamos sobre esse caos não ouvindo, passivamente,
com nossos troncos do cérebro, mas escutando, ativamente, com o córtex
cerebral, que busca dispositivos e padrões familiares na música. A audição é
conduzida pela antecipação. Mesmo quando uma peça é inteiramente nova para
nossos ouvidos, nós a entendemos porque percebemos partes constitutivas que já
conhecemos bem. Um objeto musical não é tanto algo que bate em nossos cérebros,
e sim muito mais, algo que nossos cérebros vão lá e captam, através de sua
antecipação.
Falando de modo amplo, só antecipamos o
que já conhecemos. Reconhecemos – re-conhecemos – dispositivos musicais. Isso
significa que, de várias maneiras, lembramos esses dispositivos a partir de
experiências anteriores (JOURDAIN, 1998, p. 314. Apud BERTINATO, 2006, p. 6).
Acompanhando este seguimento
conceitual, torna-se incabível afirmar que este som, ou aquele acorde fomenta
emoções, como é comum ouvir em vários lugares, de várias pessoas afirmações
como “esta música é triste, ou ainda, essa música me deixa feliz, porque é em
tom maior”.
A música não deve ser interpretada
como triste, ou alegre, e sim como música, apenas. Nossos ouvidos é que
decodificam as estruturas sonoras, revelando familiaridades e re-conhecendo
padrões existentes, atribuindo valores (positivos ou negativos) que comungam à
identidade e experiências vivenciais com a cultura.
Neste sentido, mesmo sendo a música
um canal de comunicação e um meio de expressão das emoções, ela não é geradora de
emoção, apenas existe na tentativa de dignificar situações que vivemos e
experienciamos, pois diferente da linguagem, sem os conteúdos semânticos, a
música não representa, nem valora, e por isso, não erra em sua tradução, assim,
expressa dignamente a emoção sentida.
A música suscita emoções, tanto negativas quanto
positivas. Com isso, aperfeiçoa momentaneamente nossas vidas emocionais
individuais. O significado que sentimos não está na música como tal, mas em
nossas próprias reações ao mundo, reações que carregamos sempre conosco. A
música serve para aperfeiçoar essas reações, para torná-las mais belas
(BERTINATO, 2006, p. 8).
Afirmações como essas, são
exemplarmente bem colocadas, pois desmistificam idéias de integração mágica, quase sobrenatural dos sons (e música) e das emoções humanas, que sugere
um poder da música sobre a pulsão
emocional do homem.
Pelo contrário, entende-se a partir disso que estes campos são
dissociados, embora possam dialogar entre si, sugerindo uma íntima intersecção,
ou até unificação de outras áreas a partir dessa relação, mas que não se fundem
a tornar um só contexto. Ou seja, a música corporifica, mas não é a emoção,
assim como a emoção motiva, mas não é sonoridade, e vice-versa. E, como
processos dissociados em complexidade, se articulam.
5 À MUSICOTERAPIA
Como ciência que estuda as relações
entre som e ser humano, utilizando a partir destes estudos de relação, os sons
como potencial clínico, todo e qualquer estudo que emirja interessantes e novos
apontamentos ainda desconhecidos, será de grande relevância para a
musicoterapia, pois poderá no aprofundamento de tais conceitos, direcionar
novas técnicas de pratica clínica, de reabilitação, de prática profilática, e
até na promoção de saúde (PAIVA, 2010).
Pensando clinicamente, este ensaio
estreita-se a musicoterapia quando articula música a componentes emocionais, em
olhares diversos, como neurofisiologia, sociologia, neurociência, enfim, quando
pensa a música como potencial transformador ou estimulador de tantas outras
áreas, sugerindo a partir disso, uma ampliação do repertório de recursos
sonoro-musicais a se utilizar como potencialidade clínica.
Sons mais precisos, em praticas mais
incisivas – processos mais assertivos!
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não reforçar a importância da transdisciplinaridade para assuntos como o
deste escrito, seria incabível. Pois a busca de compreensão ou no mínimo de
apontamentos sólidos e fundamentadas reflexões para o desenvolvimento de
complexo tema como música e emoção, pulsa ávida e exigente.
Considerando as informações de várias fontes, pode-se afirmar que mesmo
estando a música em lugares próximos aos da emoção, e que o diálogo entre essas
duas áreas é de intimidade e estreitamento, os processos de engendramento de
cada uma delas, são distintos e separados, ainda que se precise recorrer
algumas vezes à uma para executar a outra, como da música para emoção, quando
se quer interpretar, criar, ou simplesmente ouvir belas toadas, e
decodificá-las como processo musical.
Processo tal, que utiliza o cérebro como centro de qualquer atividade
mútua que se trave a partir das atividades musicais, a fim de acessar emoções,
que gerarão condutas e atitudes sociais, mensurando desta relação, um
entendimento compreendido apenas dentro de um contexto próprio e singular – a
cultura.
Sendo assim, todo comportamento
emocional, sugerido pelo som, é entendido pelas organizações sociais, de
padrões, convenções, valores, geografia etc.
Logo, a música não recebe o poder de desencadear emoções, mas dentro
deste processo intrincado e complexo, acessa as emoções trazendo-as a tona,
corporificando-as, comunicando e expressando-as, sem significá-las ou
valorá-las.
Música é música e emoção é emoção – o resto é cultura.
REFERÊNCIAS
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Analysis 1. Pennsylvania: University
of Pennsylvania, 2000. Apud BERTINATO,
Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero
tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP,
2006.
BERTINATO,
Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP,
2006.
BLACKING, John. How musician in man? Seattle :
University of Washington Press, 1973. Apud MORAES, J. Jota de. O que
é Música. São Paulo: Brasiliense, 1991. Citado por BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no
saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.
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CORREIA, Cléo M. F.; MUSZKAT, Mauro. Música e Neurociências. Rev.
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der Völker in Liedern. Hg. von Johannes von Müller. Tübingen, 1807. Apud BENDIX, Regina . The Pleasures of the Ear: Toward and Ethnography of Listening. Cultural
Analysis 1. Pennsylvania: University
of Pennsylvania, 2000. Citado por BERTINATO,
Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP,
2006.
JOURDAIN,
Robert. Música, Cérebro e Êxtase
– Como a música captura nossa imaginação. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. Apud BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó
Deus, eu quero tocar e cantar: a
música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP,
2006.
LAZZARINI, Victor E. P.
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de Acústica. Music Department
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e Significado. Cap. V – Mito e Música. University of Toronto
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1985.
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Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia
do Comportamento. Uma relação entre o funcionamento cerebral e as manifestações
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PAIVA,
William. Música, neurociência e musicoterapia: uma breve discussão histórica, de desenvolvimento e de funcionalidade.
Faculdade Paulista de Artes: FPA-SP, 2010.
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A., & PAPERTE, F. “Current Theory and Research in the Effects
of Music on Human Behavior.” Journal of Aesthetic Art Quarterley, n.
17, 1958. Apud RUUD, Even. Caminhos
da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.
[1] Definição
retirada do site Wikipédia livre, em 29/04/2010. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura
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