sexta-feira, 7 de novembro de 2014

DA MÚSICA ÀS EMOÇÕES: UM ENSAIO TRANSDISCIPLINAR.

4 MÚSICA, EMOÇÕES E CULTURA

William Paiva

  É possível definir cultura como a identidade própria de um grupo humano em um território, num determinado período e espaço. O termo cultura refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais, que permeiam e identificam uma sociedade, explicando e dando sentido ao que podemos chamar de cosmologia social.[1]
            Dentro desta definição, podemos entender que os próprios conceitos de sentimentos e sensações enquanto representam e significam, traduzem o simbolismo cultural, quando este pré-existe as próprias emoções.
Sendo assim, um comportamento social, motivado por um processo emocional, só será compreendido em totalidade se concernente ao ambiente inserido, como o prantear ocidental diferenciado da conotação festiva oriental ao mesmo quadro de um velar fúnebre de um ente querido, entre outros exemplos.
Ora, a música também é um processo que concebe uma cultura, estruturas que pré-existem, re-programação de sons combinados, ou mesmo, uma simples sensação de familiaridade com determinadas estruturas musicais.
Grosso modo, a música constrói-se em um contexto cultural particular, modificado e estruturado concernentemente ao ambiente inserido. As modificações e especificidades dos instrumentos e estrutura musicais estão diretamente ligadas à geografia e clima e costumes do território em que a música nasce (BERTINATO, 2006).
Nesta perspectiva, e embutindo tanto as emoções quanto a música em um ambiente cultural, pode-se pensar que o suscitar de uma emoção a partir dos sons, podem ser tanto positivas quanto negativas, e estes valores não estão na música em si, mas nas experiências sócio-culturais anteriores do indivíduo.

Triunfamos sobre esse caos não ouvindo, passivamente, com nossos troncos do cérebro, mas escutando, ativamente, com o córtex cerebral, que busca dispositivos e padrões familiares na música. A audição é conduzida pela antecipação. Mesmo quando uma peça é inteiramente nova para nossos ouvidos, nós a entendemos porque percebemos partes constitutivas que já conhecemos bem. Um objeto musical não é tanto algo que bate em nossos cérebros, e sim muito mais, algo que nossos cérebros vão lá e captam, através de sua antecipação.
Falando de modo amplo, só antecipamos o que já conhecemos. Reconhecemos – re-conhecemos – dispositivos musicais. Isso significa que, de várias maneiras, lembramos esses dispositivos a partir de experiências anteriores (JOURDAIN, 1998, p. 314. Apud BERTINATO, 2006, p. 6).

            Acompanhando este seguimento conceitual, torna-se incabível afirmar que este som, ou aquele acorde fomenta emoções, como é comum ouvir em vários lugares, de várias pessoas afirmações como “esta música é triste, ou ainda, essa música me deixa feliz, porque é em tom maior”.
            A música não deve ser interpretada como triste, ou alegre, e sim como música, apenas. Nossos ouvidos é que decodificam as estruturas sonoras, revelando familiaridades e re-conhecendo padrões existentes, atribuindo valores (positivos ou negativos) que comungam à identidade e experiências vivenciais com a cultura.
            Neste sentido, mesmo sendo a música um canal de comunicação e um meio de expressão das emoções, ela não é geradora de emoção, apenas existe na tentativa de dignificar situações que vivemos e experienciamos, pois diferente da linguagem, sem os conteúdos semânticos, a música não representa, nem valora, e por isso, não erra em sua tradução, assim, expressa dignamente a emoção sentida.

A música suscita emoções, tanto negativas quanto positivas. Com isso, aperfeiçoa momentaneamente nossas vidas emocionais individuais. O significado que sentimos não está na música como tal, mas em nossas próprias reações ao mundo, reações que carregamos sempre conosco. A música serve para aperfeiçoar essas reações, para torná-las mais belas (BERTINATO, 2006, p. 8).

            Afirmações como essas, são exemplarmente bem colocadas, pois desmistificam idéias de integração mágica, quase sobrenatural dos sons (e música) e das emoções humanas, que sugere um poder da música sobre a pulsão emocional do homem.
Pelo contrário, entende-se a partir disso que estes campos são dissociados, embora possam dialogar entre si, sugerindo uma íntima intersecção, ou até unificação de outras áreas a partir dessa relação, mas que não se fundem a tornar um só contexto. Ou seja, a música corporifica, mas não é a emoção, assim como a emoção motiva, mas não é sonoridade, e vice-versa. E, como processos dissociados em complexidade, se articulam.

5 À MUSICOTERAPIA

            Como ciência que estuda as relações entre som e ser humano, utilizando a partir destes estudos de relação, os sons como potencial clínico, todo e qualquer estudo que emirja interessantes e novos apontamentos ainda desconhecidos, será de grande relevância para a musicoterapia, pois poderá no aprofundamento de tais conceitos, direcionar novas técnicas de pratica clínica, de reabilitação, de prática profilática, e até na promoção de saúde (PAIVA, 2010).
            Pensando clinicamente, este ensaio estreita-se a musicoterapia quando articula música a componentes emocionais, em olhares diversos, como neurofisiologia, sociologia, neurociência, enfim, quando pensa a música como potencial transformador ou estimulador de tantas outras áreas, sugerindo a partir disso, uma ampliação do repertório de recursos sonoro-musicais a se utilizar como potencialidade clínica.
            Sons mais precisos, em praticas mais incisivas – processos mais assertivos!

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não reforçar a importância da transdisciplinaridade para assuntos como o deste escrito, seria incabível. Pois a busca de compreensão ou no mínimo de apontamentos sólidos e fundamentadas reflexões para o desenvolvimento de complexo tema como música e emoção, pulsa ávida e exigente.
Considerando as informações de várias fontes, pode-se afirmar que mesmo estando a música em lugares próximos aos da emoção, e que o diálogo entre essas duas áreas é de intimidade e estreitamento, os processos de engendramento de cada uma delas, são distintos e separados, ainda que se precise recorrer algumas vezes à uma para executar a outra, como da música para emoção, quando se quer interpretar, criar, ou simplesmente ouvir belas toadas, e decodificá-las como processo musical.
Processo tal, que utiliza o cérebro como centro de qualquer atividade mútua que se trave a partir das atividades musicais, a fim de acessar emoções, que gerarão condutas e atitudes sociais, mensurando desta relação, um entendimento compreendido apenas dentro de um contexto próprio e singular – a cultura.
 Sendo assim, todo comportamento emocional, sugerido pelo som, é entendido pelas organizações sociais, de padrões, convenções, valores, geografia etc.
Logo, a música não recebe o poder de desencadear emoções, mas dentro deste processo intrincado e complexo, acessa as emoções trazendo-as a tona, corporificando-as, comunicando e expressando-as, sem significá-las ou valorá-las.
Música é música e emoção é emoção – o resto é cultura.

REFERÊNCIAS

BENDIX, Regina. The Pleasures of the Ear: Toward and Ethnography of Listening. Cultural Analysis 1. Pennsylvania: University of Pennsylvania, 2000. Apud BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

BLACKING, John. How musician in man? Seattle: University of Washington Press, 1973. Apud MORAES, J. Jota de. O que é Música. São Paulo: Brasiliense, 1991. Citado por BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

CAMPOS, Sandra M.; CORREIA, Cléo M. F.; MUSZKAT, Mauro. Música e Neurociências. Rev. Neurociências 8 (2): 70-75, 2000.

HERDER, Johann Gottfried. 1807. Stimmen der Völker in Liedern. Hg. von Johannes von Müller. Tübingen, 1807. Apud BENDIX, Regina. The Pleasures of the Ear: Toward and Ethnography of Listening. Cultural Analysis 1. Pennsylvania: University of Pennsylvania, 2000. Citado por BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

JOURDAIN, Robert. Música, Cérebro e Êxtase – Como a música captura nossa imaginação. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. Apud BERTINATO, Fernanda Tresinari. Ó Deus, eu quero tocar e cantar: a música e os instrumentos musicais no saltério davídico. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião): PUC-SP, 2006.

LAZZARINI, Victor E. P. Elementos de Acústica. Music Department National University of Ireland Maynooth: Londrina, julho 1998.

LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e Significado. Cap. V – Mito e Música. University of Toronto Presse,1978. Traduzido por BESSA, Antonio M. Capa de Edições 70: Portugal, 1985.

OLIVEIRA, Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do Comportamento. Uma relação entre o funcionamento cerebral e as manifestações comportamentais. Canoas: Ed. ULBRA, 1999.

PAIVA, William. Música, neurociência e musicoterapia: uma breve discussão histórica, de desenvolvimento e de funcionalidade. Faculdade Paulista de Artes: FPA-SP, 2010.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo, 1977. Traduzido por Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.

TAYLOR, I. A., & PAPERTE, F. “Current Theory and Research in the Effects of Music on Human Behavior.” Journal of Aesthetic Art Quarterley, n. 17, 1958. Apud RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.










[1] Definição retirada do site Wikipédia livre, em 29/04/2010. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura

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